A vida não é o que passa, mas o que fica.

placa de pare

O período que costumamos chamar de “modernidade”, marcado por grandes transformações sociais e nos modos de produção, tem como uma de suas características marcantes uma nova temporalidade.

Grosso modo, o mundo se agiganta e se acelera, aceleração esta que não mais se reduziu e que hoje é tomada por muitos como um problema.

Como dito neste espaço, já no começo do século passado, mas hoje observado de modo muito claro, vivemos cotidianamente expostos a uma enxurrada de informações que, na maioria das vezes, excede nossa capacidade cognitiva gerando, em muitos, stress e ansiedade, por nos sentirmos incapazes de acompanhar devidamente tal fluxo.

O advento da internet, seguido de sua massificação, parece ter levado este antigo problema ao ponto de se transformar em causa de muitas patologias recentes, tais como a F.O.M.O.,entre outras.

Subimos e descemos timelines diversas muitas vezes sem absorver absolutamente nada, anúncios que parecem adivinhar (na verdade, não advinham, mas sabem) nossos desejos de consumo piscam aos montes em nossa tela, posts com informações repetitivas nos são enviados aos montes.

Mas, de tudo isso que a vida contemporânea nos propicia o que, efetivamente, estamos aproveitando? O que, realmente, está nos transformando em pessoas melhores que constroem e vivem num mundo melhor?

Vivência ou Experiência?

O filósofo Walter Benjamin, um grande analista-crítico da sociedade moderna, aponta duas formas diferentes de apreensão do mundo em nosso entorno.

Partindo de categorias anteriormente apresentadas por Freud, Benjamin indica que as grandes e ligeiras mudanças socioculturais relativas à vida moderna estariam nos colocando cada vez mais próximos a um modo, chamado por ele de Vivência, que grosso modo seria a maneira mais básica de lidarmos com o mundo e a maneira como ele nos atinge.

É o modo, diríamos, em que vivemos cotidianamente, com a consciência alerta em modo “defesa”. Reagimos rápido, a situação passa, e seguimos para a situação seguinte sem absorvermos muito daquilo tudo. Um modo mais instintivo e primordial de se lidar com o entorno, onde pouca informação é processada e detidamente analisada.

Em seu curto, mas importante texto, Experiência e Pobreza, Benjamim afirma, referindo-se aos horrores da Primeira Guerra: “Na época já se podia notar que os combatentes tinham voltado silenciosos do campo de batalha. Mais pobres em experiências comunicáveis, e não mais ricos.”

Segundo ele, trata-se de uma característica bastante notada em ex-combatentes: a incapacidade de formular ideias de algum modo construtivas, a não ser o horror estampado nos olhos, por, justamente, terem vivido um tipo de experiência impossível de se formular, vivida em profunda intensidade e longa imersão, no “modo alerta”.

A repetição de movimentos, como se fôssemos autômatos, característica das linhas de produção industrial da época e, de certo modo, vivenciada até hoje, seria também um dos exemplos e causas de nos encontrarmos, grande parte do tempo, vivendo neste modo.

Apenas respondemos ou reagimos a partir da necessidade básica de proteção aos choques e à fragmentação da vida cotidiana.

Práticas que ultrapassam nossa capacidade de processamento, devido a sua intensidade, qualidade ou repetitividade (automáticas) resultariam em nenhuma experiência verdadeira e transformadora acumulada.

Já a Experiência, referia-se a um tipo de temporalidade diferente, porque ela pressupõe o acúmulo construtivo e transformador dos aprendizados e processos obtidos anteriormente, o que, obviamente, requer um tempo de dedicação e atenção mais profundos.

Estamos aqui falando da formação de memória: algo é acumulado, mantido e trazido do passado e, somente assim, passível de se transformar em “conhecimento” a ser transmitido adiante.

Simplificando bastante, poderíamos dizer que é um modo (Vivência, no alemão, Erlebnis) como lidamos com as informações das diversas placas de trânsito que nos indicam “pare!”, ou algo do tipo, apenas reagimos para evitar um mal maior, um tipo de informação fragmentada, descontínua e irrefletida.

Já o outro (Experiência, Erfahrung ), seria o modo como lemos, ou deveríamos ler um livro importante ou mesmo uma frase que nos leva a refletir sobre a vida, relacionando estas novas informações com as anteriores, previamente absorvidas e processadas.

Alguns objetarão em dizer que este segundo tipo de apreensão não é mais possível no mundo contemporâneo, que seria “coisa do tempo de nossos avós”, onde o mundo era mais simples. De certa forma, estão parcialmente corretos.

Talvez fosse necessário mesmo nos questionarmos se um pouco deste modo não deveria ser resgatado para o bem de nossa sanidade. Quer dizer, viver de modo um pouco mais simplificado, abrindo espaço para um modo de viver mais pleno e significativo.

A prática do minimalismo, por exemplo, apresenta-se como um dos possíveis antídotos para abrirmos mais espaço em nossas vidas, criando maiores oportunidades de reflexão e transformação. O acúmulo aqui seria, então, da ordem de “experiências” significativas e não de bens ou outras tralhas que não nos servem mais.

Obviamente, como sempre afirmo, muitas pessoas estão em condições onde este tipo de escolha não se apresenta de modo tão disponível, encontram-se na roda-da-vida, simplesmente respondendo a demandas urgentes de sobrevivência.

Mas, para muitos, trata-se justamente de se perguntar sobre o que de fato estamos acumulando em nossas vidas: experiências significativas e transformadoras ou estamos apenas levando a vida como autômatos vazios que respondem a comandos externos?

Referência: BENJAMIN, Walter, Obras escolhidas, São Paulo, Ed. Brasiliense, 2008.

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