Palavras podem ser descritas como signos sonoros ou visuais, criados para representarmos uma ideia, por exemplo, e comunicá-la a outrem. Neste processo – traduzir uma ideia, mesmo que vaga ou abstrata, em signo – ocorrem perdas inevitáveis.
São perdas necessárias ao processo de comunicação pois, de outro modo, este seria, por vezes inviável.
Ora, imagine se, ao ser questionado sobre “-Como vão as coisas?”, em vez de recorrer à resposta abstrata “- Tudo bem”, eu passasse a enumerar uma lista infinita de minúsculas coisas que me acontecem a todo instante. Sem falar da complexidade das coisas maiúsculas que ocorrem a todos também.
Por isto, a importância de nos dedicarmos a estes seres complexos (palavras) para além do seu uso comunicacional ou cotidiano. Buscar entender suas origens, variações culturais e temporais, significados latentes, etc.
A tal da felicidade.
Eudemonia – ou Eudaimonia – em poucas palavras (já que o tempo aqui é de reflexão, mas também comunicacional) = realização pessoal, boa fortuna, sintetizando mais ainda, felicidade.
Como sempre, a tradução de termos de línguas e tempos distantes é sempre um exercício complexo, mas, entre tantas possibilidades existentes teríamos Daimon – que, segundo alguns e devido a muitas distorções, poderia estar na raiz de nosso atual demônio – mas que se referia a um gênio que nos acompanha a existência, ou mesmo, nossa própria consciência, antecedido por Eu, que pode ser entendido por “o bem” ou aquilo que é bom.
Particularmente para Aristóteles significava o bem supremo e, sua realização, o objetivo maior da existência humana. Não a um momento específico, mas a vida como um todo, uma existência bem-aventurada. Uma vida bem vivida.
No caso deste pensador, e de muitos outros que partiram de seu pensamento, viver bem é viver uma vida caracterizada pelo uso excelente das nossas faculdades racionais. Quer dizer, compreender o que vem a ser uma vida virtuosa e dedicar-se – por meio da reflexão acompanhada de ações – a realizá-la.
Portanto aqui, a felicidade seria algo distante da busca incessante por prazeres efêmeros ou conquistas materiais, mas a busca pela compreensão reflexiva sobre o fenômeno da existência, guiada pela razoabilidade, o que, no caso de Aristóteles, significava também entender que, nem tudo que nos acontece pode ser controlado, mas pode ser compreendido e absorvido como aprendizado.
Ora, se a causa, propósito, a razão de ser, fundamental da existência humana (e nisso, nos diferenciaríamos de outros seres da natureza) é o uso da razão como guia, uma vida plena, realizada, seria aquela onde buscamos, a todo tempo a equanimidade. O equilíbrio no pensamento e nas ações.
De modo que o termo pode ser entendido como uma espécie de “ética da felicidade”, pois colocaria a busca por este tipo de realização que só terminaria com o fim de nossas vidas, como a mais importante das realizações humanas, a mais digna.
Importante notar que para este pensador, isso exigiria uma vida contemplativa – em sua concepção, inegavelmente elitista, o trabalho, por exemplo, era algo mais destinado aos escravos – o que, obviamente, exigia tempo livre.
Alcançar o máximo do potencial individual, num constante e contínuo processo de autodesenvolvimento e correção de rotas, aprimoramento pessoal, guiados pelo bom senso e ações boas para o todo, seria a excelência máxima representada no papel do sábio.
Nada mais distante das diversas conotações que esta palavra, felicidade, adquiriu com o passar do tempo. O fato é que, como já dissemos antes e de outras formas, é muito difícil conceber a este termo como único, o mesmo para todos e também imutável. Corremos o risco de ao chegarmos ao topo da longa escada que utilizamos para escalar o muro da vida, perceber que encostamos a escada no muro errado.
No entanto, relacioná-lo também às coisas efêmeras, pode ser bastante frustrante, como observamos na prática em nossas vidas e nas do entorno. Uma sociedade, em grande parte, baseada justamente no consumo infinito, resultado da busca por uma fonte externa de felicidade, que, assim que alcançada, parece não mais nos servir.
O minimalismo, por exemplo, nos fala da importante mudança de eixo gerada pela troca de termos-guias, utilizados em nossas vidas como, por exemplo, a mudança de referencial do termo “ter” (consumo, apego, etc.) para o “ser” (acumular experiências, buscar o aperfeiçoamento interno…).
A rigor, e considerando a impermanência, para mim, característica da vida em si e de nossa existência como um todo, talvez poderíamos utilizar o termo “estar” (sem negar, mas aprimorando o “ser”), o que compreenderia, em si, as mutabilidades da vida.De modo não nos apegarmos demasiadamente a nossas conquistas, mesmo as mais virtuosas, já que até completarmos nossa obra (vida), esta estaria sujeita a reviravoltas, nem sempre controláveis ou bem-vindas, o que nos exigiria novas posturas, reflexões, ações, etc.
De modo que o bem-viver, o viver gerador de ações significativas, a construção de uma vida com significados, talvez seja uma aproximação mais razoável da busca pelo que chamamos, abstratamente, de felicidade.
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