Ratos correm em direção a uma multidão deles mesmos, aguardando amontoados a chegada de um trem de metrô, enquanto “Habanera” (uma das partes que compõem a Ópera Carmen, do compositor francês, George Bizet) toca ao fundo. Assim começa a curta (pouco mais de 4 minutos), porém contundente, animação criada por Steve Cutts, “Hapiness”, de 2007.
Na célebre obra de Bizet, é neste momento em que a personagem, Carmen, personificando a Sedução canta: “Se eu te amo, tome cuidado!”
A música continua e, aos poucos, vamos percebendo que aquela profusão de ratos, em seus ternos cinzas, munidos de suas pastas, correndo por um cenário totalmente tomado por anúncios piscantes de diversos produtos, na verdade, representa a nós mesmos.
Sem dúvida, o termo “rat race” (corrida de ratos) é o que vem a mente. Ao que tudo indica, cunhada por músicos de Jazz americanos, a expressão se referia a um tipo de dança bem ligeira e de passos nada simples. Posteriormente, passou a representar também a insana, histérica e, muitas vezes selvagem, corrida em busca do sucesso, poder e riqueza característica de uma parcela da humanidade moderna e contemporânea.
O curta de Steve Cutts, que já recebeu diversos prêmios em sua categoria (virou referência cult nos meios críticos do sistema capitalista e de seus consequentes efeitos colaterais), não pega leve, por assim dizer, com o que este modo de vida representa e acarreta.
A palavra “happiness” (felicidade), que dá título ao curta, aparece incansavelmente repetida como um apelo inevitável aos nossos sentidos. Basicamente uma ordem, replicada em anúncios diversos e apelos publicitários, presentes de modo a preencher quase todo o espaço das cenas.
Ora, do que se trata o conceito de “Sedução” (acima mencionado) senão de ativar no outro, ou em nós, o nosso desejo por algo? Em certo aspecto, o que a publicidade faz é ativar este desejo latente, ou criar desejos que ainda não existiam em nós, normalmente no sentido de nos convencer a adquirir algo ou algum tipo de serviço.
Obsessão característica da modernidade, a “Felicidade” é vista como um produto que pode ser obtido por diversos meios. Um carro novo, poder sobre outros ou substâncias químicas diversas.
Cutts, de modo intencionalmente hiperbólico, sintetiza em sua animação a corrida sem fim que nos é vendida de modo a nos manter em constante estado produtivo, guiados pelo imperativo: “tenha!”. Nos apresenta como ratos, seres muito espertos mas, basicamente, instintivos, que respondem facilmente a estímulos externos e a comportamentos habituais.
No fundo, a questão parece não só ser o modo irracional no qual nos lançamos em direção à busca por esta tal felicidade, algo que, se pensarmos bem, é até difícil de ser definido.
O autor parece querer nos colocar num estágio ainda anterior a isto, onde deveríamos talvez questionar a ideia de que, de algum modo miraculoso, nossa vida possa chegar a um momento, como nos contos de fada, “… viveram felizes para sempre…”. Nos leva a questionar a própria ideia de que a felicidade pode ser vista como algo além de um estado de espírito, relacionado a diversos tipos de satisfação momentânea, a ideia de que existem momentos felizes sim, mas que desejar uma vida composta apenas disto é um engodo.
Assista ao curta aqui.
Site do autor: Steve Cutts.
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